Em comemoração aos 50 anos do Dia da Consciência Negra, que é comemorado no sábado (20), a Secretaria Municipal de Educação e o Repórter Guaibense inauguram nesta sexta-feira (19) uma exposição fotográfica sobre griôs. São de mulheres, mães e avós de estudantes das escolas municipais, que contaram sua história de vida através da descendência afro-brasileira.
A mostra está na programação do 1º Seminário de Educação, Concientização, Inclusão, Superação e Equidade, que acontece com diversas palestras sobre o povo negro nesta sexta-feira (19) na Câmara de Vereadores, das 13h às 17h.
As griôs são a dona Clélia, a Sônia, a Loeci, a Agripina, a Júlia Muniz e a Raquel, mãe da Diennifer da escola Rio Grande do Sul. Para ela, esse trabalho fotográfico deve resultar na diminuição de casos de racismo dentro e fora das instituições de ensino, onde crianças e adolescentes aprendam sobre o respeito.
"Ninguém nasce preconceituoso, ninguém nasce com isto, as crianças são inocentes. Elas sabem dar amor. Mas, dependendo do jeito que elas são criadas e das coisas que são ouvidas em suas voltas, é o que te faz virar algo que não descente e legal para o próximo. E com esse projeto estão ensinando as crianças e talvez, caso continuarem nos próximos anos, possa diminuir mais ainda o racismo", diz.
O objetivo do projeto "Memórias: o resgate da ancestralidade na etnia Afro em escolas" é de identificar as etnias no contexto sociocultural de Guaíba com pesquisa acerca da ancestralidade das famílias das comunidades escolares, motivando a participação dos alunos de 5° ano da rede municipal de ensino.
O resultado partiu de uma pesquisa através de um questionário para os alunos onde deveriam entrevistar um familiar de origem afro. Após o preenchimento, foi enviado a Diretoria de Cultura, Iniciação Científica e Práticas Esportivas que, com apoio do jornalista Pedro Molnar, fez a entrevista final com consentimento das famílias do aluno.
Loeci e a tradicional canjiquinha
Mãe de família que dedica sua vida para cuidar de seus queridos filhos e netos, Loeci da Silva Pereira, de 61 anos, trabalha com a venda roupas e lingeries em sua simples casa na Vila Iolanda, onde mora há mais de 25 anos. Ela é de São Lourenço do Sul, uma cidade pequena no sul do Rio Grande do Sul, e chegou a Guaíba após casar com seu "excelentíssimo" marido.
Ela é mãe de três mulheres e de um jovem guri que infelizmente faleceu aos 19 anos em um acidente de motocicleta há 12 anos. Além deles, não podia deixar de falar dela: a querida neta Isabela da Silva e Silva, estudante da escola São Paulo, que nunca perde uma canjiquinha da avó.
A canjiquinha é a comida favorita e a mais famosa produzida pela Loeci, sem faltar a galinha caipira e a carne de porco. Virou tradição da família Pereira.
- Nós começamos a fazer canjiquinha pois era a comida mais barata para alimentar uma família de sete filhos, sete irmãos. O pai ganhava pouco e a mãe não trabalhava, então a gente na época somente vivia da canjiquinha que era mais barata do arroz. E, mesmo assim, tudo era feito por amor, sabe? - conta.
Foi uma vida de muita fome e miséria, era muita gente para pouco dinheiro na vida de Loeci e seus mais seis irmãos, além da mãe e do pai. Uma família humilde de São Lourenço que quando chegaram em Guaíba não tinha o que colocar no prato, a fome era muita. E sem água, sem janela e sem luz. Mas, hoje, graças ao bom Deus, ela comemora que tem tudo para oferecer para seus netos, até a canjiquinha que permanece até hoje na tradição da família.
Agripina, a tocaia da avó
Com nome que herdou de sua avó, Agripina Sandra da Silva, de 53 anos, é conhecida na vila Logradouro há 22 anos como simplesmente Sandra. Para sua vó era a "tocaia", termo muito utilizado naquela época de aqueles que tem o mesmo nome. Ou seja, xará.
A Agripina de agora, ou simplesmente Sandra, tem uma vida de sete netos, quatro filhos e um região de vizinhos que admira sua bondade, simpatia e alegria. Seu marido trabalha de biscate, na luta para colocar comida na mesa. Mas a regra é clara para todos da família, como diz seu neto Arthur da escola Santa Catarina: é proibido sentar na mesa sem camisa e entrar de chapéu dentro de casa.
- Isso foi meu pai que criou. A gente criada para fora e a educação era assim, ninguém senta na mesa sem camisa e nem entra de chapéu dentro de casa. O pai dizia que homem não entra de chapéu porque o homem tinha cruz na cabeça, mas não sei qual é o significado, e eu trouxe isso. Tenho três filhos homens e meu marido que nunca sentaram na mesa sem camisa, e meus netos também.
O batedor de claras é famoso, um objeto muito antigo na família. Ela gosta de colecionar os objetos deixados pela família, como uma coleção de facas e a espiriteira, que servia para acender fogareiro á base de álcool.
Agripina deixou o seu trabalho de serviços gerais por motivos de saúde e agora no seu tempo em casa cuida do galinheiro nos fundos da casa. "Eu adoro galinha, se eu tivesse dinheiro porco e galinha é comigo mesmo. Eu tinha muito, muito e muito mesmo, mas hoje em dia não tem como. A comida é muito cara". Ela acorda cedo, 6 horas da manhã, ainda mais no verão que o dia clareia muito cedo. Na lida, como diz o pequeno Arthur.
Clélia, cinco filhos e 17 netos
Profissional de serviços gerais aposentada, Clélia Terezinha Araújo, de 62 anos, vive no Ermo há 22 anos e ajuda na educação de seus cinco filhos e 17 netos, como João Araújo, estudante da escola Darcy Berbigier que escreveu sobre sua avó.
"Não estudei, então não tenho grandes estudos, então graças a Deus que pude trabalhar e me aposentar ainda. Pois muita gente ainda não conseguiu. Sempre trabalhei, sempre lutei para educar seus filhos, junto com meu esposo, então a gente não tem muito o que reclamar da vida. Uma vida modesta".
Ela guarda de recordação no "quartinho" um ferro à brasa, aqueles "ferros, de ferro mesmo" com carvão, que por muito anos era o objeto tradicional da família para passar a roupa.
Sua bisavó, a Frutuosa, era dona do terreno que anos depois de seu nascimento, em Bom Retiro, começou a abrigar toda sua família. Foi nesta casa humilde perto do centro de Guaíba que educou sua família, cinco filhos, e até hoje dedica boa parte do seu dia para cuidar de seus netos enquanto os filhos e as noras trabalham.
Júlia, negra e batuqueira com orgulho
Júlia Muniz, de 57 anos, é uma mulher de fibra, muito sorridente e mãe de santo (com orgulho), além ser mãe de três filhos e avó de três netos. Sua paixão é cozinha, e na pandemia era se-reinventou: vende mocotó, lasanha, panqueca e sacolé em sua singela casa na Colina. Procurou fazer o que mais gosta, cozinhar.
- Eu sei que a pandemia foi de muita dor, sofrimento para tantas famílias. Mas para mim foi de renovação, sabe. E quando foi feito minha formatura eu chorei, berrei e peguei meu diploma.
Ela concluiu o ensino fundamental em janeiro deste ano na escola Amadeu Bolognesi, mesmo no meio da pandemia e com todo mundo usando máscaras. Foi um momento único na vida desta mulher que pensou que nunca é tarde para recomeçar os estudos e concluiu com maestria, alegre e animada.
- Era algo que me incomodava muito, pois eu só tinha a quinta série. Me senti muito incomodada e fui muito bem atendida com muito amor e muita carinho, que me só me fez crescer como mulher e como pessoa. Então eu digo que sou apaixonada pelo Amadeu.
Infelizmente, o racismo é presente em sua vida. E pior: na sua própria rua. Duas vizinhas chamaram ela de "nega batuqueira", mas realmente ela é a negra batuqueira da rua X4, o que não te incomoda. Ela acredita que aos poucos o povo negro está conquistando os seus espaços, ainda com muita dor, sofrimento e julgamento, e espera que no futuro que os netos e bisnetos sentem na pele essa cobrança que o carregam.
- No momento que tu é negro tu carrega essa dor e sofrimento, então ele sempre deve provar que é o melhor em todos os aspectos. A cada dia o negro tem realmente provar que é o melhor.
Raquel, na cara e na coragem
Raquel Pereira dos Santos é uma pessoa que diariamente luta pelo bem-estar de sua família após durante muito anos de trabalho árduo. E conseguiu. Aos 40 anos, a funcionária pública agora tenta educar seus quatro filhos, como a Diennifer da escola Rio Grande do Sul, para que não passam pela vida que ela passou.
Ela parou os estudos na adolescência, mas não desistiu e voltou a frequentar a escola depois de adulta. Seu avô paterno era negro e sua avó índia. É uma família composta por descendentes africanos.
- Como todos sabem os negros sofrem bastante preconceito, e eu na minha pele mesmo não sofri preconceito mas senti pelos meus familiares. Aqueles que tem a pele mais escura, que infelizmente ainda não são aceitos pela sociedade como deveriam ser.
Ela acredita que atualmente o povo negro está conseguindo conquistar sinais de respeito, mesmo ainda não chegando naquela consciência mundial que todos são iguais. Todos são iguais independente da cor, raça, credo, orientação sexual.
Mais griôs
Também participam dessa projeto Sônia Borges da Silva, avó do aluno Arthur da escola Máximo Lavieguerre, e a Vera Lucia Lucas, de 63 anos, avó do aluno João Emanuel da escola Inácio de Quadros.
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