Desde o ano passado essa coluna vem acompanhando as dificuldades do setor cultural e os desdobramentos da Lei de Emergência Cultural, a Lei Aldir Blanc.
Aqui neste espaço conversamos sobre todos os passos desde os primeiros debates sobre a existência deste mecanismo de amparo ao setor mais prejudicado da economia durante o período pandêmico. Juntos vivemos, em diversas colunas, a espera pelas votações sempre decisivas e acompanhamos o corpo mole de um governo inimigo da Cultura que fez de tudo para atrasar a liberação dos recursos.
Depois de termos a lei aprovada, podemos acompanhar os editais municipais e estaduais e entender como participar. Foram longos meses de acompanhamento praticamente semanal. A Lei Aldir Blanc contribuiu muito para a sobrevivência de artistas, grupos, projetos e espaços culturais. Mesmo com muita demora na tramitação e distribuição, este dinheiro evitou que muitos profissionais tivessem que abandonar seus negócios e/ou demitir seus funcionários.
Só aqui no município foi injetado algo em torno de R$ 800.000,00 (oitocentos mil reais), distribuídos por meio de editais públicos para trabalhadores de diversos segmentos culturais. Uma quantia bastante significativa circulando em nossa economia local.
Com mais de 1 ano de pandemia, o setor cultural continua tentando se equilibrar sobre um terreno bastante incerto. Mesmo com o avanço da vacinação contra o covid-19, este setor ainda não vislumbra claramente o seu destino a curto prazo e sabe que, muito provavelmente, será um dos últimos a poder trabalhar com cem porcento de seu potencial.
Levando em conta que o setor emprega mais de 5 milhões de trabalhadores em todo o território nacional, o que equivale a algo em torno de 6% da mão de obra ativa, fica fácil deduzir que o montante distribuído pelo governo federal (algo por volta dos R$ 3 bilhões) não foi suficiente para socorrer todos os trabalhadores e espaços culturais prejudicados em todos esses meses de dificuldades para trabalhar.
Muitos destes agentes e espaços ainda enfrentam grandes dificuldades e continuam precisando de políticas públicas que visem a manutenção das atividades de forma economicamente viável.
Com 15 meses de paralisação (sendo que os recursos de socorro começaram a chegar apenas depois de nove meses de pandemia) a situação ainda é dramática.
Tendo essa situação como grande cenário, chega ao Senado Federal mais um pedido de socorro para o setor.
O Projeto de Lei Complementar - PLP 73/2021, já batizado como Lei Paulo Gustavo, visa destravar, e investir até o final de 2022, os mais de R$ 4 bilhões retidos no Fundo Nacional de Cultura e no Fundo Setorial do Audiovisual, distribuindo os recursos de forma mais eficiente e ágil.
Atualmente estes recursos ficam parados nos cofres públicos, servindo apenas para maquiar as contas do Tesouro, contribuindo para o famoso Superavit dos Fundos Nacionais de Arte e Cultura.
Após a liberação, poderão ser lançados editais públicos que busquem atender as necessidades de toda a diversidade de segmentos, agentes e iniciativas, tais como:
- Manutenção de agentes;
- Apoio a iniciativas, cursos e produções;
- Desenvolvimento de atividades de economia criativa e de economia solidária;
- Apoio a manifestações culturais e à realização de atividades artísticas e culturais;
- Apoio a iniciativas que possam ser transmitidas pela internet;
- Manutenção de espaços artísticos e culturais;
- Apoio a microempreendedores individuais, microempresas e pequenas empresas culturais;
- Apoio a cooperativas, instituições e organizações culturais comunitárias.
Com a autoria dos senadores Paulo Rocha (PT/PA), Zenaide Maia (PROS/RN), Humberto Costa (PT/PE), Jean Paul Prates (PT/RN), Paulo Paim (PT/RS) e Rogério Carvalho (PT/SE), o projeto de lei tem como base três objetivos:
- Salvar recursos do superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultura (FNC) e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) para aplicação no setor cultural e não para amortização da dívida pública da União;
- Destravar os recursos do FNC e do FSA no orçamento de 2021 e;
- Vedar futuros contingenciamentos ou outras formas de limitações do empenho de ambos os fundos.
Os autores, por meio de material de divulgação do projeto, explicam que “em sua integridade, o projeto visa criar ações emergenciais voltadas para artistas e o setor cultural no sentido de enfrentar os efeitos econômicos e sociais causados pela crise sanitária instalada no país.”.
Ainda no mesmo documento os autores argumentam que, tendo como base a experiência da Lei Aldir Blanc (Lei 14.017/2020) e, obviamente, seguindo todas as regras orçamentárias, o projeto prevê que a União transfira recursos (oriundos de fundos de apoio e da contrapartida de estados e municípios) aos estados, DF e municípios, “com distribuição descentralizada e autônoma entre cada linguagem artística. Esse formato estabelece uma execução colaborativa e capilarizada entre estados e municípios, garantindo a participação efetiva da sociedade civil, dando ênfase ao Sistema Nacional de Cultura.”.
A Lei Paulo Gustavo, seguindo a tendência aplicada na Lei Aldir Blanc, também prevê a adoção de políticas que estimulem a participação e o protagonismo do público feminino, da população negra, dos povos indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, LBTQIA+, pessoas com deficiência e outras minorias.
Os movimentos de estímulo contarão, inclusive, com a garantia de cotas e adoção de critérios diferenciados de pontuação, absorvendo e colocando em prática outros meios que possam contribuir com a promoção da igualdade de gênero, raça e classe, sempre de acordo com a realidade local de cada território.
Diversos comitês estão ativos em todos os Estados de todas as Regiões do território nacional. Algumas plenárias estão sendo organizadas e realizadas já há algumas semanas e o movimento vem ganhando força. Essa articulação dos comitês estaduais se conecta através de uma grande e capilarizada rede de trabalhadores da Cultura espalhados por todo o Brasil. Agindo em prol do fortalecimento do diálogo e das relações entre agentes culturais e políticos dos quatro cantos do país. Aqui no Rio Grande do Sul, o comitê já recebeu o apoio dos três senadores que representam nosso Estado no Congresso Nacional. Paulo Paim (PT), Lasier Martins (PODEMOS) e Luís Carlos Heinze (PP), tendo consciência da importância da liberação destes recursos, já manifestaram voto favorável à aprovação do PLP 73/2021.
O projeto segue tramitando no Senado e deve entrar em votação nas próximas semanas, devendo ser aprovado quase que por unanimidade, tendo em vista que boa parte dos senadores já manifestou intensão de voto favorável a criação da Lei Paulo Gustavo.
Acredito que transformar esse projeto em lei será mais que uma justa e merecida homenagem ao grande artista. A aprovação desse projeto também será um tributo a tantos outros profissionais anônimos do setor que vieram a falecer em decorrência desta pandemia.
Esse projeto não é apenas do setor cultural. Ele é para a sociedade.
Se esses mais de R$4 bilhões não forem destinados à Cultura, o governo vai usar única e exclusivamente para o pagamento de juros. Ou seja, sem rodeios, vai acabar no bolso dos já bem alimentados banqueiros.
Muito melhor estimular a cultura, não é?
Então apoie!
-----------
Paulo Gustavo
Paulo Gustavo, falecido no último dia 4 de maio por complicações decorrentes da Covid-19, é um dos principais humoristas do Brasil. Consagrado como ator, diretor e roteirista, o artista tem entre seus principais sucessos o monólogo Minha Mãe é uma Peça que, tempos depois, se tornou filme, tornando-se o longa-metragem mais assistido no Brasil, no ano de 2013, nos proporcionando ainda mais duas continuações.
Comentários: