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Quinta-feira, 06 de Novembro de 2025

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Caiu o Ministério, como se fosse alguma novidade

Esse é o ciclo sem fim: vertiginoso, absurdo e trágico

Caiu o Ministério, como se fosse alguma novidade
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Estamos passando por uma das maiores lambanças da história do Brasil.  

Quanto a isso não há dúvidas. 

A quantidade de material que temos para nos inspirar na criação de obras críticas é imensurável. O fornecimento de absurdos é diário e difícil de acompanhar.  

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Contudo, o fato é que, mesmo que em menor escala, a usina brasileira de “insumos críticos” sempre esteve ativa ao longo de nossa história. 

Mesmo que em 2020 estejamos estreando uma modalidade nova de absurdo governamental, as coisas tendem sempre a se repetir.  

Em 1882, mesmo ano em que foi escrito Um Inimigo do Povo (que você já viu aqui neste espaço, na coluna Um doutor inimigo do povo), o dramaturgo brasileiro França Júnior nos apresentava a comédia Caiu o Ministério. 

A peça retrata as constantes trocas no time de governantes que faziam parte do Estado durante os últimos anos do Império. Para quem faltou a essa aula, desde 1847 o Brasil contou com um gabinete ministerial responsável pela política abaixo do Imperador Dom Pedro II: era o Conselho de Ministros. Apenas no período entre 1880 e 1889 passamos por dez trocas de governos parlamentares. O autor também denuncia que, já naquela época, o controle do poder legislativo era exercido pelos grupos mais fortes da dita aristocracia imperial. Nos são apresentados políticos incapazes de entender e expressar os interesses da maioria dos cidadãos. Temos nessa obra um retrato explicito e desconcertante, que nos mostra com primor e graça a realidade de uma sociedade em crise, expondo suas facetas mais ridículas. 

O enredo traz um recorte que nos mostra muitas situações em torno de uma dessas trocas ministeriais, onde o Ministério inteiro poderia cair e ser substituído de acordo com a vontade do imperador e de seus escolhidos de ocasião.  

O cenário inicial é a Rua do Ouvidor, onde é retratada a repercussão popular dessas trocas e alguns aspectos sociais e comportamentais da época. 

O clima retratado é de muita curiosidade para saber quem serão os novos ministros. Jornaleiros vendem seus jornais anunciando em alto e bom som suas manchetes com títulos impactantes. As discussões nos grupos que frequentam essa rua de comércio e ostentação giram em torno desse tema, mas também expõem as futilidades de uma classe de caráter duvidoso, que vive de aparências e conchavos.  

Felício de Brito é o nome escolhido para ocupar a presidência do Conselho de Ministros. 

Imediatamente se forma ao seu redor uma rede de intrigas que envolve interesses pessoais, corrupção, nepotismo e oportunismo sem limites. 

A filha do novo ministro começa a ser cobiçada por um advogado inescrupuloso e por um inglês em busca de “privilégias”, como ele repete muitas vezes no decorrer da trama, sempre carregado de sotaque. 

Os cargos são preenchidos de forma que agrade aos aliados de momento, pouco importando a capacidade técnica ou, até mesmo, o vínculo com a área representada. Problema, como sabemos, ainda recorrente e potencializado nos dias de hoje. 

Não é apenas no campo dos interesses políticos que o ministro Brito precisa fazer articulações urgentes. Sua esposa, Filomena, pressiona o ministro para que este interceda em favor de um projeto apresentado pelo inglês pretendente de sua filha Beatriz. 

Trata-se de um projeto absurdo pintado com tintas de revolucionário para o sistema de transporte urbano da cidade do Rio de Janeiro. Um trem que sairia do Cosme Velho e levaria os passageiros até o Corcovado. Até aqui nada demais. Tudo normal. Porém o projeto do inglês determina que este seja um transporte movido por cachorros.  

Sim, isso mesmo.  

Trens movidos por cachorros. Mas não eram cachorros puxando os trens. Eram cachorros, dentro das rodas ocas dos veículos, correndo a toda velocidade para movimentar os vagões. Seriam necessários cinquenta animais por viagem e os cachorros de rua poderiam ser utilizados, dando a preferência para os animais infectados com raiva, já que esses poderiam ser, em teoria, mais rápidos. Caso fosse necessário também haveria a possibilidade de importar cães londrinos para suprir a demanda. 

Ao mesmo tempo em que precisava encontrar formas de viabilizar o projeto do candidato a genro, Brito passa a receber pressão de um velho companheiro de partido. O Deputado Coelho exige sua indicação como membro do Ministério e, ao ter o seu pedido negado, passa a ser parte da oposição. 

As discussões em torno das indicações políticas e do projeto absurdo apresentado pelo inglês tomam conta da Câmara. Os políticos que antes eram divididos em Liberais e Conservadores, passam a se dividir em dois grupos: Os Cachorros e os Anti Cachorros. 

 O projeto recebe muitas críticas e acaba derrotado, derrubando, assim, o presidente do Conselho de Ministros e todo o Ministério, deixando novamente em aberto o caminho para os novos aspirantes a ministros e novos jogos de interesses pessoais. 

Esse é o ciclo sem fim que, no decorrer da nossa história, se tornou cada vez mais vertiginoso, absurdo e trágico. 

Viva ao Teatro!  

Desde sempre denunciando nossas fraquezas de forma crítica, sagaz e, sempre que possível, com muito bom humor. 

FONTE/CRÉDITOS: Cottonbro/pexels.com
Comentários:
Isaque Conceição

Publicado por:

Isaque Conceição

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