Essa semana, mais uma vez a Lei Rouanet voltou a fazer parte das discussões de internet e mesas de bar.
O motivo foi a suposta entrega de R$ 5 milhões para a artista Claudia Raia.
É muito pertinente que os mecanismos de fomento à Cultura sejam constantemente avaliados e aprimorados, e essas discussões públicas são muito importantes para que haja maior esclarecimento sobre o assunto.
Mas ao redor desse assunto há uma guerra ideológica muito canalha que distorce as informações para fazer uso político e, principalmente, atacar o setor cultural e seus trabalhadores.
Na coluna Uma dose de Rouanet para não falar bobagem, eu passei um panorama geral desta lei tão controversa que, apesar de todos seus defeitos, continua sendo a principal ferramenta de fomento e democratização da Cultura em nosso território.
Vale a pena dar uma passada por lá e tomar uma dose antes de sair esbravejando tolices por aí.
Sobre o caso Claudia Raia:
É óbvio que ela não ganhou R$ 5 milhões.
Quem difunde este tipo de desinformação faz isso sabendo que não está sendo completamente honesto, pois ou desconhece a Lei Rouanet, ou está ocultando detalhes que fazem muita diferença para a formação de opinião.
O que a produtora cultural (empresa) da artista Claudia Raia “ganhou” foi a autorização para captar recursos para a montagem, manutenção e circulação de dois espetáculos musicais.
Duas super produções que devem empregar centenas (possivelmente milhares) de pessoas nas mais diversas funções: diretores, atores, bailarinos, músicos, coreógrafos, figurinistas, iluminadores, cenógrafos, cenotécnicos, sonoplastas, técnicos de som e de luz, maquiadores, cabelereiros, artistas visuais, designers gráficos, intérpretes de LIBRAS, costureiras, etc.
Além disso tudo, ainda há a utilização de diversos outros serviços como transporte de cargas e pessoas, alimentação e hospedagens para elencos super numerosos, movimentando todo o universo de profissionais e procedimentos necessários para divulgação, inevitavelmente criando uma dinâmica comercial pujante no relacionamento com fornecedores, ativando a imensa cadeia econômica ligada ao setor cultural e as produções artísticas mais especificamente neste caso.
Os responsáveis pelo projeto "Claudia Raia - Os Musicais", afirmam ter como objetivo a pesquisa, montagem e temporada de dois espetáculos produzidos e encenados pela atriz e que uma das contrapartidas do projeto aprovado é a realização de um curso de 40 horas sobre “prática de artes cênicas e o mercado profissional para atores”. Algumas informações dão conta de que o mesmo curso será oferecido pelo projeto para cerca de 1000 estudantes de escolas e universidades públicas.
As contrapartidas são parte importante para a liberação de um projeto para captar via leis de incentivo.
Todos os projetos incentivados pela Lei Rouanet são obrigados a oferecer contrapartidas sociais.
Segundo o Ministério da Cultura, todas as ações que captam incentivos fiscais por meio da Lei Rouanet precisam proporcionar pelo menos três contrapartidas sociais. Duas delas são obrigatórias: Democratização e Acessibilidade.
A democratização acontece por meio de:
- 20% de ingressos gratuitos;
- 10% dos ingressos com valor do Vale Cultura;
- Limitação do valor médio do ingresso (O que, na prática, limita o valor dos ingressos).
A Acessibilidade é a adequação do projeto para todas as pessoas com deficiência. O financiamento destas ações deve estar no orçamento do projeto.
Pensa que é só isso? Então espera que têm mais:
O projeto ainda precisa atender a pelo menos um deste itens:
- Mais 10% de ingressos gratuitos, totalizando 30% do total;
- Conteúdo disponibilizado gratuitamente na internet;
- Disponibilização de imagens (com qualidade profissional) para TVs públicas;
- Transporte para quem usufruir da gratuidade (em caso de locais sem atendimento do transporte público);
- Ações formativas para ao menos 10% do público;
- Ensaios abertos (em caso de espetáculos).
Se uma ação não estiver conforme estes critérios, ela não é um projeto incentivado pela Lei Rouanet.
Só isto já deveria ser informação suficiente para deixar a população mais tranquila com relação ao mecanismo de investimento em projetos culturais, porém, como eu sei que a maioria não vai lá dar uma olhada na coluna Uma dose de Rouanet para não falar bobagem, vou deixar mais um resuminho da Lei Rouanet para vocês não permitirem que o pessoal fique falando sem ter o devido embasamento. Espalhem nos seus grupos de Whatsapp.
Quando a Lei Rouanet foi criada?
A Lei Rouanet, como é conhecida a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei 8.313/91), foi sancionada em 23 de dezembro de 1991, durante o mandato do ex-presidente Fernando Collor de Mello.
De onde vem o dinheiro da Lei Rouanet?
Empresas públicas, privadas, pessoas físicas e jurídicas podem escolher destinar parte do que pagariam ao Imposto de Renda para ações culturais. Máximo de 4% do imposto devido.
No entanto, para que o projeto seja beneficiado pela captação de recursos, deve cumprir todas as exigências previstas na Lei, ser analisado e aprovado formalmente pelo órgão responsável.
A porcentagem recebida pelos projetos varia de acordo com algumas especificações e é dividido em três segmentos: Fundo Nacional da Cultura (FNC); Fundos de Investimento Cultural e Artístico (Ficart); Incentivo a projetos culturais.
Qualquer contradição, omissão ou erro na qualificação do projeto ou uso da verba disponibilizada pode ser penalizada com multa e até prisão dos responsáveis.
Quem a Lei Rouanet beneficia?
Sempre é válido lembrar que a Lei Rouanet beneficia a população de forma geral. O setor cultural emprega milhões de pessoas e os benefícios vão desde a oportunidade de trabalho até o acesso à cultura.
Estudos feitos pelo Ministério da Cultura em 2018 mostraram que, nos primeiros 27 anos de existência da Lei Rouanet, cada R$ 1 investido por patrocinadores em projetos culturais se transformou em R$ 1,59 que retornou para a economia do País.
Com estes incentivos, é possível democratizar o acesso à cultura, levando o custo de projetos culturais, muitas vezes, a zero ou a preços mais acessíveis, proporcionando que a população tenha acesso a produtos e bens culturais de relevância e perspectiva de legado. Muitas vezes essa acaba sendo a única possibilidade que uma família encontra para vivenciar a Cultura e frequentar eventos diferenciados.
É importante salientar também que os incentivos não se aplicam exclusivamente a grandes espetáculos. A lei é bastante ampla e beneficia os setores artísticos e culturais, bem como a preservação do patrimônio cultural, histórico, arquitetônico, arqueológico, bibliotecas e museus.
Artistas lucram com a Lei Rouanet?
Artistas são trabalhadores e, como tal, recebem pelo seu trabalho. Simples assim.
Quando um projeto vai para a análise no Ministério da Cultura, já deve prever, no orçamento, o "salário" do artista, bem como as previsões de despesas com os vencimentos que todos os outros profissionais envolvidos no projeto têm direito.
Qual o teto da Lei Rouanet?
Neste momento, vale a regra da Instrução Normativa sancionada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nesta instrução fica determinado o valor máximo que pode ser arrecadado pelo projeto, levando em conta o tamanho da empresa responsável pela proposta e execução.
Para Microempreendedor Individual (MEI) e para pessoa física, é possível ter até dois projetos ativos, totalizando a arrecadação R$ 1 milhão;
Para Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), até cinco projetos ativos, totalizando R$ 4 milhões;
Para Sociedades Limitadas (Ltda.) e demais pessoas jurídicas, até oito projetos ativos, totalizando R$ 6 milhões.
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Como é bom ter acesso a informação, não é mesmo?
Agora você já sabe tudo o que precisa saber sobre a Lei Rouanet.
Pode tirar suas próprias conclusões sobre o assunto e dar uma opinião com embasamento e não estabelecida em falácias de gente mal intencionada ou ignorante sobre o assunto.
Não banque o bocó!
Siga o conselho do famoso visitante interestelar, ET Bilu:
“Apenas...busque conhecimento.”
Até a próxima!
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