Cenário Urbano
As casas não podem mais falar. As janelas já fecharam. As casas agora apenas observam, as lâmpadas que brilham lá do meio das salas funcionam como olhos. As casas à noite emudecem.
A rua é um rio de água preta. Nem a luz esforçada dos postes consegue clareá-lo. Parece um destes movimentos inconsistentes que tentam despoluir vales e riachos encardidos com o nosso desleixo. A rua é um vale negro de água rasa.
Os postes são torres abandonadas pelo castelo. Andam em fila, ordeiros, silenciosos, amarrados por linhas intermináveis. Quando os motoristas se distraem, os postes avançam rumo às esquinas. Como se naquele cruzamento pudessem avistar um monte encantado. Os postes são órfãos da realeza.
A calçada é um tapete vulgar. Desses surrados que pertencem aos animais domésticos. É banhada apenas pela chuva, enxugada pelo vento e amaciada pelas palmilhas menos abastadas. A calçada é a mais humilde das vias.
Pêndulo
No tempo em que eu olhava o rio desde algum bar da beira de Arvoredo, uma suspeita me assaltava quando a cerveja no copo era menor do que a cerveja no corpo: a suspeita de que meu lugar era no meio do rio.
Ao lado da ilha. Jamais dentro dela. Lugar dentro da ilha me garantiria uma resma de pertencimento. E eu não pertencia a lugar algum.
A caminhada que promovo agora no calçadão quase deserto da madrugada reafirma essa condição: meu lugar é mesmo no meio do rio. Na mobilidade pendular da água que não se prende a costa alguma.
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