No início desta semana, a CUFA de Frederico Westphalen divulgou o resultado do Edital Ações Culturais das Comunidades.
Este edital que já foi assunto nesta coluna nas colunas A oportunidade que faltava, A hora da periferia e Tá esperando o que?, destinou algo em torno de R$ 14 milhões para 4.587 contemplados entre artistas, agentes e coletivos culturais, residentes ou ativos em 63 comunidades localizadas em 23 municípios gaúchos.
Este edital, realizado em parceria com a Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul (SEDAC-RS), foi uma das ações em cumprimento à Lei de Emergência Cultural, a Lei Aldir Blanc.
Guaíba apresentou mais de 200 inscrições, sendo que quase 90% foram realizadas através dos agentes culturais representantes da CUFA no município durante o período de busca ativa e inscrições.
Na lista final, Guaíba aparece com 119 agentes culturais e artistas contemplados com prêmio de R$ 2.000,00, 18 coletivos formais com prêmio de R$ 10.000,00 e 14 coletivos informais que receberão R$ 5.000,00 cada.
Totalizando quase R$ 500.000,00 de recursos a serem distribuídos entre os trabalhadores e coletivos do Setor Cultural com ações ou moradia nos bairros Bom Fim e Santa Rita.
O bom trabalho de captação de inscrições garantiu um incremento significativo na verba destinada para nossa cidade. A cota inicial era de R$ 190.000,00, valor que foi praticamente triplicado.
Vale ressaltar que esses recursos, além de cumprir a sua função destino: socorrer quem está há mais de um ano parado e fomentar a cultura, chegam para circular em nossa economia local e socorrer, inevitavelmente, outros setores combalidos pela pandemia.
Tive a oportunidade de trabalhar nesse processo de busca ativa durante os 30 dias do período de inscrição.
Acumulei uma bagagem tremenda e conheci muitas pessoas importantes para o desenvolvimento constante de ações culturais de relevância e perspectiva de legado. Fiz amigos e torci por cada um dos 238 inscritos (única função possível depois desse período fantástico de contato com nosso tesouro mais precioso: as pessoas que fazem com amor um mundo melhor).
Realmente a cidade viveu um momento especial. E para não ficar falando sozinho sobre isso, convidei algumas pessoas que participaram do processo para falarem sobre suas experiências e sobre a importância desses recursos para a manutenção de suas atividades profissionais.
Começo trazendo a opinião do escritor, cantor, produtor e ativista cultural Elivelto Corrêa. Um dos agentes da CUFA durante o processo aponta que o processo também foi de convencimento para o autorreconhecimento:
“Acredito que o sucesso que atingimos com o edital, em grande parte, deve-se ao fato de que, mesmo antes do convite para sermos agentes locais da Cufa aqui em Guaíba, já vínhamos trabalhando no convencimento da classe artística local sobre o direito que ela tem de concorrer prêmios e subsídios dessa natureza. É uma resistência que começamos a quebrar nos editais municipais do ano anterior, provenientes da mesma lei.
É claro que, estando dentro dessas comunidades, outros desafios se apresentaram. O mais curioso deles, para mim, foi o de que em alguns casos precisávamos convencer um fazedor de cultura de que, justamente, ele é um fazedor de cultura. Isso é algo profundo, pois nos faz questionar, entre outras coisas, a maneira como, usualmente, enquadramos o fazedor de cultura nas políticas públicas para esse segmento apenas quando ele se autodeclara com tal, e como ainda é preciso orientar boa parte desses artistas e atores culturais para uma infinidade de direitos a que eles podem recorrer, não apenas em tempos de calamidade.
Esse foi apenas um dos aprendizados que esse trabalho nos possibilitou. Para mim foi especialmente feliz, pois surgiu num momento em que eu sentia que precisava me aproximar mais das atividades culturais nas áreas periféricas da cidade. A partir disso tivemos uma noção melhor da dimensão de tudo que existe e de tudo que precisa ser feito para o fomento cultural nesses lugares. Foi gratificante por causa das ações e agentes beneficiados pelas verbas que irão receber, mas também por esse mapeamento dessas outras atividades que poderemos tirar da invisibilidade por meio de outras ações no futuro.”.
Já para a cantora e apresentadora do programa Brasil Sem Fronteiras Graciele de Souza (uma das principais apoiadoras nesse processo de busca de inscritos), esses recursos chegam como uma forma de incentivar os trabalhadores a continuarem seus projetos. Segundo ela:
“Como apresentadora e cantora em meio a esta pandemia ressalto que esta iniciativa é de grande importância para os artistas, produtores culturais e coletivos dos bairros e regiões de periferia dos municípios que foram escolhidos. É uma forma de incentivá-los a continuarem atuando e terem seus trabalhos potencializados. Tenho certeza de que esses agentes da Cultura, em suas comunidades assim como eu, podem fazer toda a diferença na vida dos nossos jovens, adolescentes e jovens adultos. A Cultura é o esteio para percorrer um caminho adequado e significativo na prevenção da violência e da criminalidade. Continuamos com nosso trabalho e buscando o reconhecimento junto a todos que lutam pela Cultura.
Parabéns a todos os envolvidos neste Edital Ações das Comunidades e aos que foram contemplados.”.
Músico e produtor audiovisual Matheus Almeida, o Sky Walk, destaca que:
“O Edital foi uma benção para todos os artistas independentes. Foi a esperança que restava no futuro da nossa cultura no local, ainda mais nós da periferia que praticamente não sabíamos mais o que fazer.
O benefício do prêmio não foi nem o prêmio final, mas a mensagem que isso carrega...todos podemos ser e sonhar o que quisermos. Se tivermos vontade e fé...movemos montanhas.
Pessoalmente acredito que se não fosse pelo engajamento dos agentes culturais que deram todo o suporte, nem 60% teriam sido contemplados, dou o mérito a esses heróis.”.
Outro líder comunitário importante nesse processo, o presidente da ASNÚCLEO Gerson Caminha ressalta que:
“O recurso chegou em um ótimo momento, pois todos estamos passando por dificuldades e a parte cultural foi uma das mais afetadas, desde o primeiro decreto dia 15 de março de 2020 se acabaram as receitas para se manter em diversas partes. Esse para muitos foi o único recurso dentro desse tempo, e ao menos ajudou para estancar algumas dívidas que continuam chegando.
Para nós aqui dentro da Associação ASNÚCLEO, esse recurso vai ajudar muito para quitar algumas dívidas como Água e Luz. Também vai nos ajudar a manter nossa estrutura para aguardar os projetos.”.
Para Mestre Mano, líder da Capoeira Guaíba, outro líder comunitário importantíssimo nesse processo de construção, o edital e a participação dos agentes da CUFA se apresentaram da seguinte forma:
“Quanto ao processo, eu identifiquei bastante transparência, da forma que divulgaram, procuraram o pessoal das lideranças. O pessoal se identificou com o processo todo do edital. Vocês foram grandes facilitadores e isso, para nós, foi de extrema importância. Uma coisa muito legal foi que as pessoas se sentiram empoderadas. As pessoas, dentro da periferia, que nunca tinham participado desse tipo de processo, se quer sabiam como fazer a inscrição para poder estar participando. Vocês ensinaram, disseram que eles eram capazes, criaram uma situação, que eu digo assim: ‘deram um poder para o povo, e eles se identificaram com isso’.
O pessoal está muito feliz, contagiou muita gente. Até quem não foi contemplado se sentiu acolhido pelo processo. E muita gente não acredita que foi contemplado.
Quer dizer, os totalmente excluídos, dessa vez participou. Vocês estão de parabéns, não vou cansar de dizer isso. A gente se sentiu parte da cultura. Esse povo que a gente trabalha é um povo que estava muito esquecido.
A estrutura da cultura não foi feita para nós. E hoje a gente está conseguindo reverter isso através dessas ações.”.
Vale destacar a importância do PROJARI como liderança do complexo de bairros compreendidos pelo que chamamos de Bom Fim.
Foi um processo conduzido com muita dedicação e respeito às trajetórias. Capitaneado com maestria e sensibilidade pela Unidade da CUFA de Frederico Westphalen.
Uma equipe gigante empenhada que entregou um edital quase perfeito do ponto de vista da abrangência de sua execução.
Mais do que trazer um pouco de dignidade para quem está prejudicado nesse momento pandêmico, este edital vem ser a prova prática de que a união de forças locais pode gerar transformações com impacto imediato e reverberação incalculável.
Viva a Cultura!
Viva Guaíba!
Viva a união de forças pelo bem!
Vida longa e prosperidade aos nossos valorosos trabalhadores da Cultura!!!
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