Repórter Guaibense

Quinta-feira, 06 de Novembro de 2025

Colunas/Geral

Som e inspiração

Um rio de acordes que corre pelas pontas dos dedos

Som e inspiração
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Após um tempo estacionado, fazendo a manutenção das hélices, nosso drone conversador volta a passear pelos céus da cidade.

Desta vez, a aterrisagem foi no quintal do musico Enio Viana Filho.

Já estava com saudade desses bate-papos cheios de cultura e surpresas.

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Drone Cultural: Primeiramente, seja bem-vindo. É um prazer e uma honra ter a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre você e sua trajetória. Sem demora, vamos ao que interessa:

De onde vem a tua veia artística? Conta um pouco da tua trajetória. Quem é o Enio? Vamos começar por aí.

Enio Viana Filho: Minha mãe sempre teve relação com a música. Era cantora do coral do colégio das freiras em Camaquã. Chegou a participar de um coral de apoio à então revelação Elis Regina num programa da extinta Rádio Camaquense. De outra parte meu tio Nenê foi quem me emprestou o primeiro violão e os primeiros acordes. Foi com ele que soube quem eram Paulinho da Viola, Noite Ilustrada, Sérgio Bitencourt, Cartola, etc... Depois veio o primeiro violão e alguns primeiros acordes e desde então não larguei mais meu melhor amigo de seis cordas.

DC: O que o desenvolvimento de habilidades artísticas trouxe para a tua vida?

Enio: Em primeiro lugar trouxe compreensão de mundo. Entendimento de que a vida é complexa, rica e bela por si só. E que muitas vezes a beleza depende mais do foco ou da moldura que a apresenta; no sentido de que muitas vezes há poesia e arte bem na nossa frente sem que nos tenhamos dado conta.

DC: Quais são as tuas referências? Onde você busca inspiração?

Enio: Minhas primeiras referências vieram do folclore regional. Depois aos vinte poucos anos conheci Chico Buarque, Caetano, etc... Mais tarde conheci Guilherme Schneider e Bruno Azambuja e com eles descobri o que é o Brasil. De Pixinguinha a Mutantes tudo foi sendo descoberto e ainda é.

DC: Falando sobre o sentimento que leva ao ato de compor: Para ti, o que é música? O que é compor dentro da tua rotina?

Enio: Música é pra mim, antes de mais nada, uma forma de percepção, e por sua vez uma forma de provocar outras percepções, sejam elas políticas, emocionais ou apenas uma nova maneira de olhar a vida. Compor no meu caso está atrelado a alguma percepção, ou sensação sobre algo. Depois procuro transformar em algo musical ou escrever uma parte e dividir parceria com o meu mestre e amigo Guilherme Bica, ele me ensina muita coisa sobre a arte de criar música.

DC: Aproveitando que você citou o Bica: Vocês foram convidados para compor a trilha de um dos espetáculos que eu estou dirigindo no momento, "Hospital-Bazar", com texto de outro filho dessa terra, o ilustre Altair Martins. As composições são riquíssimas e foram feitas na medida para o espetáculo. Como é essa experiência de pensar a composição da trilha? Já tinha feito isso antes? Como está sendo a experiência de participar/acompanhar, do palco, um espetáculo teatral? Fala um pouco sobre a banda também.

Enio: Essa é minha primeira participação em composição de trilha sonora. O texto do Altair é cirúrgico ao apontar as contradições da nossa sociedade de maneira lúdica e provocativa, e tua direção é muito criativa e inteligente além de ser generosa com o elenco e com os músicos. Esse ambiente foi em grande medida responsável por nos dar liberdade de interpretação e composição da trilha, desde os primeiros ensaios e leituras do texto, salvo alguns critérios de ordem estética que orientaram a composição de algumas das músicas. E a ideia de tocar a trilha ao vivo em sinergia direta com público e elenco é muito marcante e emocionante.

Tivemos a ideia de convidar os queridos Rafael Sonic (escaleta, gaita e voz), e o Eduardo Raguse, (baixo), da banda Pequena Serenata, pra iniciar as gravações da trilha em estúdio. Depois com as apresentações na PUC e no teatro Bruno Kiefer da CCMQ, convidamos os amigos Eduardo de Britos, guitarra e bandolim, licenciado em música pela UFRGS e professor atuante em Porto Alegre, e o Marcelo Machado Nunes, baterista, que 'segurou a cozinha' da banda com muita técnica.

DC: Voltando ao processo criativo: Tens algum ritual ou rotina que execute antes de começar a criar? Precisa de um ambiente específico/preparado, ou isso não é preponderante para a conexão com a inspiração?

Enio: No meu caso não funciona assim. Eu funciono muito mais como veículo da inspiração do que dono dela. Entendo que muitas vezes é necessário concentração, silêncio, etc. Mas pra mim a inspiração funciona mais como uma faísca, uma ideia de verso ou de melodia, que chamamos de motivo. Depois é repetição e arranjamento, encadeamento de ideias novas. Geralmente "recebo" a ideia na cabeça. Daí escrevo num caderno, sento com o violão e começo a colocar novas frases, melodias, daí em diante é tentativa e erro até a música ficar pronta.

E falando em faísca, quando tem combustível na geladeira a labareda costuma acender mais forte (risos).

DC: Algumas perguntas são constantes aqui nesses bate-papos com os colegas. Uma bastante recorrente busca entender como é a tua relação com o teu fazer e com a recepção do público.

Para compreender um pouco mais eu sempre gosto de saber do convidado se, dentro da sua trajetória artístico-cultural, existiu algum momento que o tenha emocionado além do "normal". Vivemos de emoção. Esse é a nossa matéria prima. Isso é um fato. Mesmo assim eu pergunto: Você lembra de algum momento onde essa emoção tenha sido algo fora do padrão?

Enio: O que me vem agora é a primeira vez que ouvi o tema de abertura de Central do Brasil, música do Antônio Pinto e arranjo do Jaques Morelembaum. E quando ouvi pela primeira vez o Clube da Esquina, álbum de 1972, apresentado a mim pelo Eduardo Raguse dentro de um “Guaibão” voltando de Porto Alegre pra Guaíba.

DC: Por mais que nos preparemos, vivemos na corda bamba e as saias justas estão inevitavelmente presentes nas nossas empreitadas.

No meio de tantas coisas bacanas que já aconteceram ao longo da tua experiência, qual foi o maior perrengue que você passou na tua trajetória artística?

Enio: Vixi! Perrengue tem aos montes, mas não tenho um preferido (risos).

DC: Como tu enxerga o segmento da música em Guaíba?

Enio: Guaíba é uma cidade que sempre produziu muitos músicos. Mas ainda padece pra vencer alguns problemas básicos como falta de escolas de música, projetos de educação musical dentro e fora da escola, circuito de eventos que contemple gêneros musicais para além dos de matriz regionalista. Mas mesmo assim temos farta produção musical diversificada. O que poderia avançar e muito com o empenho em estabelecer políticas públicas de Estado que estimulem a economia da cultura como um todo favorecendo a criação de vínculos de produção, circulação e comercialização de produtos culturais.

DC: Gosto de falar sobre nossa cidade e colher impressões por meio deste espaço.

Qual é a memória mais antiga que você tem da cidade?

Qual é o teu lugar favorito aqui?

Enio: Memória mais antiga, acho que comprar peixe com meu pai no antigo Mercado Público. E lugar preferido é a Beira, tomando um suco de cevada no escritório olhando pro Rio. Gostava muito do antigo Clow Café também, no topo da escadaria.

DC: Como você imagina que as pessoas de fora enxergam Guaíba? Como você explicaria Guaíba para um estrangeiro?

Enio: Num exercício de imaginação acho que quem chega na cidade vê com bons olhos a nossa paisagem natural de contato com o Rio Guaíba e uma porção de Mata Atlântica no coração da cidade. Eu explicaria Guaíba como uma cidade com características de cidade do interior, mas que se desenvolve ao lado da capital do Estado.

DC: Que conselho você pode dar para quem tem vontade de seguir o caminho da música?

Enio: Faça o que dá felicidade. Seja na música, seja em qualquer profissão.

DC: Alguma referência para escutar, seguir, ler ou assistir? Em quem ou onde buscar inspiração?

Enio: A cultura brasileira é uma das mais ricas do mundo. Invista tempo em conhecer nossa música nossa arte nossa poesia. Paulinho da Viola e Jorge Ben Jor são um bom começo.

DC: Tem outra pergunta clássica aqui neste espaço. Esta mexe com o “lúdico”:

Se você existisse dentro de uma música, livro, filme, etc, que personagem você gostaria de ser?

Enio: Em uma música, eu seria o homem da gravata florida como dizia o Jorge Bem. Em um livro, eu seria o eu lírico do poeta Gregório de Matos Guerra. Em um filme, seria o Xicó do Auto da Compadecida.

DC: Uma última pergunta: O que é sucesso?

Enio: É suceder. Suar e ceder! O resto é o mundo girando nas mãos de Deus!

DC: Estamos encerrando a nossa conversa. 

Não poderia deixar de agradecer muito a tua disponibilidade para esse bate-papo comigo.

Esse é um espaço de contato com a nossa comunidade. Gostaria que você deixasse um recado para os colegas trabalhadores da Cultura e para todos os nossos vizinhos. 

Pode falar o que quiser, meu amigo.

Enio: Primeiro agradecer a ti pela oportunidade, Isaque. E como diz o Gil: “Andar com fé eu vou que a fé não costuma faiá”. Tenhamos fé e amor naquilo que somos e fazemos no nosso dia a dia. As trevas estão aí para nos lembrarmos de nosso constante esforço em direção a luz.

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E aí, gostaram?

Tenho certeza que sim.

Eu amo descobrir esse tanto de coisas interessantes nessas conversas com os fazedores de cultura. Como é bom saber que temos pessoas sensíveis, inteligentes e talentosas em nossa cidade, não é mesmo? Melhor ainda é saber que não são poucos os talentos que brotam nessa terra. Guaíba é privilegiada neste sentido e essa coluna é apenas um canal de constatação dessa nossa benção.

Fiquem ligados que logo o drone volta a dar seus rasantes pelos quatro cantos da cidade.

Quem vocês acham que merece uma visita? Numa dessas, entra no plano de voo movido pela curiosidade.

Até a próxima!

Comentários:
Isaque Conceição

Publicado por:

Isaque Conceição

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