Repórter Guaibense

Quinta-feira, 06 de Novembro de 2025

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Voz: substantivo feminino

No embalo dos ventos da esperança, o Drone Cultural visita Liane Tonelotto

Voz: substantivo feminino
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Agora que o drone embalou, será difícil de segurar.

Aproveitando os bons ventos que trouxeram mais esperança para o povo brasileiro, nosso curioso voador planou até a varanda da casa da poeta, cantora e psicóloga Liane Tonelotto.

Em um dos papos mais interessantes deste espaço, a integrante da banda Pequena Serenata, aqui de Guaíba, desfilou inteligência, perspicácia e charme, respondendo, mas também deixando questões muito interessantes a serem elaboradas por cada um dos leitores que tiverem a sorte de tropeçarem nesta conversa.

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Mais do que trocar ideias com os entrevistados, esta coluna busca sempre documentar um tanto da alma e do pensamento por trás do fazer artístico de nossos talentos.

Sem mais delongas, vamos ao que interessa:

_________

Conta um pouco da tua trajetória. Quem é a Liane? De onde vem a tua veia artística?

Meu lado artístico é uma herança de família! Minha avó tocava violão, amava poesia, e mesmo analfabeta declamava e cantava muito bem... Vem daí com certeza o meu encanto com as expressões da oralidade e os saberes intuitivos.

Cresci também rodeada de discos, ouvindo muita música, com uma vitrolinha que meu avô me deu. Eu tinha facilidade para decorar algumas músicas, mesmo antes de alfabetizada. Lembro de termos um gravador (de fita cassete) em casa e que cantávamos, minha mãe e eu, algumas canções da "Arca de Noé", do Vinícius de Moraes. Depois eu ficava nos ouvindo, e ficava encantada de estar lá no rádio: era maravilhoso!

Quando já havia aprendido a ler ganhei um Vinícius de Moraes de bolso, presente de minha mãe. Foi outra grande descoberta, e mais: sentia como estivesse recebendo dos céus meu primeiro amuleto. Fiquei profundamente tocada com o que se podia fazer de amor e de luta com as palavras. Bom, eu tava descobrindo "Soneto de Fidelidade" e "Operário em Contrução". Foi uma explosão de alegria!

E essa alegria do encontro com alguma coisa de expressão artística acabou tecendo boa parte da minha existência em torno da música e da literatura. Quem sabe isso quer dizer amor, né?

Que lindo! E, nessa existência em torno da Arte, o que o desenvolvimento de habilidades artísticas trouxe para a tua vida?

Que experiências/vivências e possibilidade de desenvolvimento este contato te proporcionou?

Consegue mensurar?

Não há dúvidas de que foi fundamental para minha sobrevivência.

Desde a base, como facilitador e gerador de aprendizagens na escola e nas atividades laborais. Como a maioria de pessoas da classe operária, luto desde cedo pelo meu sustento.  As habilidades comunicativas sempre me abriram portas, servindo como ferramenta prática mesmo no mundo do trabalho, me ajudando desde os processos seletivos e até a alcançar momentos de alto desempenho nas instituições e empresas em que trabalhei. Mesmo hoje, trabalhando como psicóloga clínica, percebo que tudo o que vivi relacionado à arte também me preparou para meus atendimentos. No sentido de que a clínica psicoterápica é sempre um lugar de criação ética e estética de uma vida.

Passando pelo campo social, em relação às minhas relações afetivas, acredito que os processos de expressões artísticas sempre nos colocam em contato com outras pessoas que estão na mesma viagem que a gente. E foi assim, amando a música e a literatura que a vida me deu os melhores encontros, os melhores amigos, os mais diversos e qualificados coletivos onde pude me reencontrar a partir do outro.

E por último, mas não menos importante, talvez até mais: a arte que salva em momentos íntimos. Os maiores embates internos: desde a turbulência da adolescência, a chegada da vida adulta, o encontro com a maternidade, as casos e descasos de amor, em todas as minhas vivências o que me salvou de mim foi a arte, dando vazão e sentido e palavra a tudo aquilo que eu não conseguia suportar sozinha. Nos momentos mais difíceis, foi ela que me carregou no colo, e sou muito grata por isso.

Tu, além de escrever muito bem, é dona de uma voz que vem marcando o contexto cultural local.

Quem te escuta cantar, já não confunde mais. Você tem uma identidade vocal e uma forma bastante própria de ocupação e expressão. Diria que isso vale tanto para o palco, quanto para as linhas por ti escritas.

Quais são as tuas referências? Onde você busca inspiração?

Ah, na música: eu escuto mulheres, né? Deusas coroadas!

Desde Rita Lee, Cássia Eller, Gal, Elis, Alcione, Adriana Calcanhotto, Mariza Monte, Nina Simone, Alanis Morrissete, Amy Winehouse, Tina Turner, Beyoncé, Lady Gaga, Doja Cat, Anitta (maravilhosa!). Minha última paixão é um disco da Rosalia, chamado Motomami. Tô meio in love com esse ritmo reggaeton. Uh!

Muita inspiração vem da transpiração de quando sou atravessada por essas mulheres incríveis.

Mas... Eu preciso confessar que essa voz que se apresenta hoje no palco e nas gravações, mais segura de si, mais cantante, é uma voz nasce do meu encontro com a autoria dos compositores da Pequena Serenata, minha banda. Essa página em branco, esse ineditismo, essa coisa da primeira vez: como se nossas músicas abrissem espaço para essa voz própria nascer e se jogar no mundo. Assim eu sinto.

E na produção literária o que move minha escrita é a angústia, com certeza. Pretendo apreender outros modos de criar poemas, mas por enquanto é o que há. Escrevo mais por necessidade do que por inspiração.

Já que você falou na Pequena Serenata, deixa eu te fazer uma pergunta relacionada ao convívio enquanto banda.

Como é fazer parte de uma banda?

Como vcs se organizam, enquanto coletivo de talentos, em relação às expectativas e disponibilidades de cada membro?

Outra curiosidade:

Como é feita a escolha do repertório?

Todos na banda somos muito comprometidos com a música em si, e isso realmente facilita o processo. Há uma certa confiança entre nós, em relação à entrega, à disponibilidade e responsabilidade com o grupo. São muitos anos de experiência também, pois cada um de nós já está nessa há mais de década. E por caminharmos há tanto tempo juntos somos bem amigos, nos amamos com uma delicadeza que vai além, e que de certa forma nos leva aos limites, alargando os afetos. Crescemos juntos e a cada encontro, na esperança de trilhar um percurso bonito com a Pequena Serenata.

A escolha do repertório se dá a partir dos shows que vamos agendando, sempre engajando no futuro, sempre como forma entregar a melhor performance e criar, rasgando o tecido do real.

Agora dia 11 de novembro, por exemplo, vamos fazer uma apresentação no Pub Tio Vilão, e já temos duas músicas novas no repertório escolhidas especialmente para este show. Assim vamos nos organizando e planejando os próximos passos.

Estamos também a gravar um álbum que será lançado em 2023, somente com canções inéditas e várias parcerias. Os resultados já estão maravilhosos, não vejo a hora de botar o bloco na rua! E a galera tá curtindo muito o processo, o que importa ainda mais!

Tens algum ritual ou rotina que execute antes de subir no palco?

Com relação à escrita:

Precisa de um ambiente específico/preparado, ou isso não é preponderante para a conexão com a inspiração?

Meu ritual para dia de show é chegar produzida e no horário agendado. O resto é trabalho duro e honesto, executar uma boa performance, estar à altura de meus companheiros, gozar a alegria do encontro com a música e com a plateia, estar presente.

Em relação à escrita o processo tem mais a ver com o nascimento de um verso, uma ideia, uma imagem, um desejo.  Ele transita primeiro pelo corpo, depois fica na memória, pulsando, se repetindo, se ampliando, criando conexões, dizendo outras coisas. Posso ficar mastigando um poema por horas, dias, às vezes anos. Quando nasce não tem ritual, porque é um parto normal, vem onde tiver que vir, a força das águas da natureza. E se eu forçar mais posso dizer que alguns (poemas) nascem em diversos lugares, porque longos processos de dilatação: começa na agenda, passa pelo whats, vai pro bloco de notas, se arrastam por algum blog, chegam a algum jornal. Talvez ainda estejam (eles, os poemas) na luta para que um dia encontrarem seu livro!

Algumas perguntas são constantes aqui nesses bate-papos com os colegas.

Uma bastante recorrente busca entender como é a relação do artista com o seu próprio fazer e com a recepção do público.

Para compreender um pouco mais eu sempre gosto de saber dos convidados se, dentro de suas trajetórias artístico-culturais, existiu algum momento que os tenha emocionado além do "normal".

Vivemos de emoção.

Esse é a nossa matéria prima. Isso é um fato.

Mesmo assim eu pergunto: Você lembra de algum momento onde essa emoção tenha sido algo fora do padrão?

Essa pergunta é muito interessante.

Veja bem: a emoção é nossa matéria prima, eu entendo, mas o artista é um artífice dos afetos, um trabalhador, então aprendemos a ter certo controle sobre nossos corpos. Porquê da mesma forma que um ator precisa chorar em um momento específico de uma cena, quando eu canto funciona ao contrário: eu não posso chorar, para dar conta da performance. É preciso estar emocionada, mas na medida certa. Quando estou no palco estou como a águia: atenta e forte. Talvez isso me afaste um pouco de eleger um momento específico. Eu lembro de todos com muito amor, mas tudo muito tranquilo. Trabalho duro, muito suor e pouca mágica. O palco é bonitinho, mas é ordinário. Extraordinária mesmo é a vida real em seu cotidiano.

Mas pra não dizer que não falei de flores, uma vez senti medo e isso sim, me marcou. Tive medo de cair, nunca mais usei salto e foi libertador.

Como tu enxerga o contexto cultural de Guaíba, em especial o segmento da música?

Apesar de todo o desmonte do equipamento público e do descaso com a produção artística local sinto que o povo segue resistindo. Como diz o poeta, eles passarão e nós, passarinhos.

Gosto de falar sobre nossa cidade e colher impressões por meio deste espaço. Qual é a memória mais antiga que você tem da cidade? Qual é o teu lugar favorito aqui?

Amo o local onde vivo e meu bairro, que já foi Cohab e agora é todo Jardim Santa Rita. Já morei fora e nada se compara a esta sensação de estar em casa. Este chão que habito no momento em que te escrevo é meu lugar favorito. E é ótimo para viver, pensar e amar.

A memória mais antiga que tenho, saindo de meu território, é do falecido chafariz da escadaria. A descoberta da beira do rio e sua grandeza para fabricar horizontes eu alcancei já adulta, e sigo tentando conquistar.

Como você imagina que as pessoas de fora enxergam Guaíba? Como você explicaria Guaíba para um estrangeiro?

Ah, sempre que eu falo sobre a cidade com alguém de fora ocorrem duas reações. A primeira é de encantamento, porque o nome da cidade vem do rio que a banha, tudo muito lindo e bucólico até um segundo momento, em que eu explico que as águas do Guaíba são impróprias pra banho. As pessoas se comovem, dá pra sentir com as mãos sua compaixão pelo povo de uma cidade em que o rio de banhar-se morreu.

Que conselho você pode dar para quem tem vontade de seguir o caminho da música e/ou da escrita?

Não existe um caminho, mas talvez um modo de ser. Uma ética que é também estética. Seguir percebendo, sentindo, assimilando, escrevendo, cantando, estudando, lendo, expressando, assistindo à filmes, peças de teatro, shows, silêncios. Começar com o que tiver: o corpo, os movimentos, usar equipamentos, papel, giz, caneta, parede, pincel, pele, tecido, celular, gravador, casa do amigo, amigos. Procurar uns pares, pra fazer junto. Seguir caminhando, sozinho ou em bando, porque a trilha vai se abrindo mesmo que a gente não queira. Fé com fé que a vida vem forte, é só dar espaço.

Alguma referência para escutar, seguir, ler ou assistir? Em quem ou onde buscar inspiração?

A referência é a seguinte: pensa numa pessoa que tu admira, teu amigo, conhecido, que tu acha que tá na tua vibe e pergunta: “ô meu, o que tu me indica?” Uma influência íntima, que vem de perto, acho que faz muito mais sentido! Então sai do Google e vai procurar alguém, vai trocar, esse é o meu conselho.

Tem outra pergunta clássica aqui neste espaço. Esta mexe com o lúdico: Se você existisse dentro de uma música, livro filme, etc, que personagem você gostaria de ser?

Sem dúvidas a polvinha, do documentário My Octopus Teacher (Professor Polvo, Netflix). Os animais, eles sim estão por dentro. Seria lindo!

Uma última pergunta: O que é sucesso?

Sucesso é essa coisa que a gente persegue uma vida inteira e que só nos devora no final.

Estamos encerrando a nossa conversa. Estou maravilhado com as tuas respostas. Uma entrevista marcante nessa documentação do nosso contexto.

Claro que não posso deixar de agradecer muito a tua disponibilidade para esse bate-papo comigo.

Esse é um espaço de contato com a nossa comunidade. Gostaria que você deixasse um recado para os colegas trabalhadores da Cultura e para todos os nossos vizinhos. 

Pode falar o que quiser, companheira.

Dou de mão no mantra da Pequena Serenata, que vem de uma música em homenagem ao nosso poeta Paulo Leminski: isso de querer ser exatamente o que a gente é ainda vai nos levar além, pois é!!!

Seguir caminhando, produzindo, se fazendo presente, rasgando o tecido do real com nossos corpos reais. Vamos fazer e vai ser aqui e agora, e vai ser lindo. Vamos juntos!

_________

Não falei que estava incrível?

Pois é.

Por isso eu não canso de falar que Guaíba é um lugar privilegiado. Uma cidade com muitos talentos. E talentos com conteúdo e carisma.

Quer conhecer mais sobre nossos artistas locais?

Continua acompanhando esta coluna.

Quer saber mais sobre a trajetória algum artista local em específico?

Indica o nome aqui nos comentários. Numa dessas a gente arruma esse plano de voo e prepara novas escalas.

Até a próxima parada!

Comentários:
Isaque Conceição

Publicado por:

Isaque Conceição

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