Uma ótima dica de leitura para o período de férias, um livro cheio de memórias, de uma família de argentinos que vieram para o Brasil, exilados de uma guerra sangrenta, a ditadura militar inaugurada em 1976, na Argentina. O narrador percorre suas memórias familiares (político-emocional) em 47 capítulos muito bem escritos e costurados por uma ficção autobiográfica. Apesar do tema central do livro ser a adoção, em vários trechos mostra como a família de psicanalistas era engajada na militância contra a ditadura militar, com relatos e cenas em que o discurso sobre o passado remonta em palavras a história de toda uma geração contra os horrores de uma ditadura militar.
No primeiro capítulo a história inicia com a questão da adoção do irmão mais velho, o irmão do meio faz várias reflexões com a temática e todas as implicações emocionais deste contexto em sua família.
"Poderia empregar no verbo passado e dizer que meu irmão foi adotado, livrando-o assim do presente eterno, da perpetuidade, mas não consigo superar a estranheza da formulação me provoca." (Pág. 9)
No capítulo 4 o narrador fala sobre laços familiares, numa cena em que a família está dentro do carro e os dois irmãos entram num conflito de posicionamento por espaço em que o irmão do meio diz para a irmã mais nova que não quer mais ser seu irmão. O irmão mais velho cala e o silêncio fala por si. A anedota tornou-se como um clássico na família que era recontada por diversas vezes em jantares e reuniões familiares, mas o que mais chama atenção na cena é o silêncio do irmão que é adotado.
Nos capítulos que sucedem o narrador e o personagem percorrem as ruas de Buenos Aires a fim de contar a história do exílio de sua família e também falar sobre a ditadura na Argentina, passando por pontos turísticos da capital portenha que remontam sua memória histórica, como a praça do Congresso, em frente à sede das Mães da Praça de Maio. O narrador fala sobre história, linguagem, metalinguagem e memórias.
"Isto é uma história. Isto é história. Isto é história e, no entanto, quase tudo o que tenho ao meu dispor é memória, noções fugazes de dias tão remotos, impressões anteriores à consciência e à linguagem, resquícios indigentes que eu insisto em malversar em palavras." (Pág. 23)
A narrativa é permeada por histórias que remontam as origens da família através da árvore genealógica e recontam o processo de migração até o exílio no Brasil. A ditadura militar aparece em alguns capítulos, de forma implícita dentro da narrativa, recontando fatos do cotidiano da família, que trouxeram medos e traumas para o núcleo familiar. O título da história aparece por diversas vezes como formas de resistência.
Mesmo não sendo a temática central do romance, existe uma preocupação em mostrar através das memórias os horrores praticados na ditadura Argentina, que permeia o livro desde o dia da adoção do irmão, na cena do desaparecimento da amiga da mãe, Marta Brea, na ausência dos convidados no jantar de amigos, até o dia do exílio. A resistência é vista de tal maneira durante a ditadura:
"É preciso aprender a resistir. Nem ir, nem ficar, aprender a resistir." (pág. 79).
JULIÁN FUKS
Julián Miguel Barbero Fuks nasceu em São Paulo, em 1981. Escritor romancista, contista, tradutor e crítico literário. Doutor em literatura pela USP. Filho de dois médicos psicanalistas argentinos exilados no Brasil na época da ditadura argentina. Fucks nasceu e cresceu na cidade paulista, no ano de 2000 ingressou no curso de jornalismo na Universidade de São Paulo (USP). É resenhista e repórter de literatura no jornal Folha de São Paulo e as revistas CULT e Entrelivros. Em 2004 publicou um livro de contos Fragmentos de Alberto, Ulisses, Carolina e Eu. Em 2012, foi eleito como um dos vinte melhores jovens escritores brasileiros, mesmo ano em que publicou Procura do Romance, finalista do Prêmio Jabuti, ganhou o Prêmio Portugal Telecom e Prêmio São Paulo de Literatura. . Em 2016, lançou o livro A Resistência, que ganhou o 2° lugar Prêmio Oceanos de Literatura e ganhou o Prêmio Jabuti na categoria romance e o Prêmio Literário José Saramago. Lançou no ano de 2019, o romance A Ocupação.
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