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Sexta-feira, 29 de Marco de 2024

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Dissimulação, violência?

A violência contra o corpo, principalmente o da mulher, sempre evolui, e não no sentido bom da palavra

Dissimulação, violência?
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Olá, caros leitores.

Dando continuidade ao tema da última quinzena, onde falei sobre o que se considera como uma agressão sexual, que, apesar de pouco discutido na sociedade, em recente pesquisa que realizamos de forma anônima, nos impressionou o número de respostas semelhantes a “isso aconteceu comigo”.

Refiro-me, com ênfase nesta coluna, à conduta na qual um indivíduo retira o preservativo durante a relação sexual sem o consentimento do seu parceiro, que aos olhos de quem observa e analisa os riscos que expõe seu companheiro com a referida prática, tem nome e reflexos na vida das pessoas devastadores.

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TAL PRÁTICA É CHAMADA DE STEALTHING

Além de ser repudiada socialmente vem sendo debatida na contemporaneidade devido a uma série de fatores, como o fato de os jovens estarem mais ativos sexualmente e à prevalência de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), além de possibilidades de gravidez entre os casais heterossexuais, sendo constituído o Stealthing como uma conduta que deve ser analisada sob as perspectivas sociais e jurídicas que vigoram em nossa sociedade.

Após iniciarmos o debate, entre nosso grupo de colegas e amigos, surgiu um jovem brilhante que discorreu sobre o tema e, após analisar a questão, nos presenteou com sua análise e estudo. Na reflexão de hoje vamos ter a convidada Júlia Foppa de Oliveira, graduanda em Direito que já demonstra de forma extraordinária suas linhas de estudo.

STEALTHING, por Júlia Foppa.

A violência contra o corpo, principalmente o da mulher, sempre evolui, e não no sentido bom da palavra. Evolui para novas formas de violação, de cerceamento da liberdade ou de ridicularização. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a violência sexual consiste em qualquer ato sexual ou tentativa de obtê-lo, em investidas ou comentários sexuais indesejáveis, tráfico ou qualquer outra forma contra a sexualidade de uma pessoa usando coerção. Essa última palavra é a que vem dificultando atipificação do ato chamado Stealthing.

Stealthing, para quem não conhece, é o ato de fraudar a relação sexual, mediante a retirada do preservativo de modo furtivo, sem o conhecimento ou consentimento da vítima. Ou seja, mesmo que a relação sexual tenha sido consentida por ambos, durante o seu curso, uma das partes resolve retirar o preservativo (que, lembrando, antes tinha sido consentido por ambos), sem o conhecimento do outro.

Não é novidade que isso expõe o outro a risco. Risco de contágio de doença venérea, de uma gravidez indesejada e de perpetuamento de traumas psicológicos para a vítima. O estado da Califórnia nos EUA e a Austrália considera o Stealthing uma violação civil (como o direito de indenizar o outro pelo dano causado), mas não uma conduta tipificada como crime. Já outros países como Canadá, Espanha e Alemanha estão estudando o Stealthing como um possível crime de agressão sexual.

As poucas discussões travadas sobre Stealthing x ordenamento jurídico brasileiro trouxeram apenas alternativas. Já que Stealthing não pode ser considerado estupro pelo art. 213 do Código Penal, restou a possibilidade de enquadramento como perigo de contato venéreo, perigo de contágio de moléstia grave e violação sexual mediante fraude (arts. 215, 130 e 131 do Código Penal). A fraude, nesse caso, se dará pela ação dissimulada da retirada do preservativo sem o consentimento ou conhecimento da outra parte, e é por essa definição que se faz possível entender o Stealthing como violência sexual, segundo a OMS; o impedimento da manutenção da relação sexual segura dentro dos limites predispostos à sua prática.

De qualquer forma, este é um debate que precisa ser travado dentro do ordenamento jurídico brasileiro, e com cautela. E vale ressaltar aqui que o ponto principal do debate sobre Stealthing talvez não seja a melhor forma de criminalizá-lo. O ponto nevrálgico dessa discussão é a conscientização de que esse tipo de conduta caracteriza uma violência contra a liberdade sexual.

Nesta linha, observando o texto enviado pela colega Julia, é correto afirmar que, o Stealthing quase sempre é concebido como um desvio de conduta ou de caráter e não como uma ação de violência de gênero ou de violação aos direitos fundamentais das mulheres. Há, no Brasil e no mundo, pouco material abordando o tema, sob essas perspectivas, e a análise do caso feita pela brilhante colega abre o precedente necessário para que outros estudos sejam realizados e discutidos.

Podemos nunca conseguir pôr um ponto final em toda a violência sexual, mas com certeza podemos continuar a falar sobre assuntos poucos debatidos como este e assim reduzir as estatísticas de violações cometidas. Novamente, despeço-me com um poema, acredito que nossas reflexões são fruto de sentimentos, emoções e pensamentos, que por consequência nos fazem dar sentido em determinado assunto que nos impulsiona a criar e compor.

 

“Um fogo transformado em ódio que ainda queima dentro de mim, assediada em revolta pelos isqueiros do prazer, sem ter oque fazer, sem ao menos poder me defender ,sem pensar falam palavras sem ao menos perceber que pode ofender, como se eu fosse um objeto pra você...”

 

Mais não falo, apenas reflito ....

FONTE/CRÉDITOS: [1] OLIVEIRA, Julia Foppa de. Stealthing. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. 3. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2022. Disponível em: https://www.crim
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Felipe Coimbra

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Felipe Coimbra

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