Repórter Guaibense

Sexta-feira, 24 de Janeiro de 2025

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Negacionismo ambiental é outra das piores ignorâncias

População e animais sofrem, estruturas públicas se perdem, recursos não chegam e nada é feito na prática, ficam só discursos.

Negacionismo ambiental é outra das piores ignorâncias
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Parece que agora, após as tragédias do século XXI como em Mariana e Brumadinho/MG, Blumenau/SC, Petrópolis/RJ e tantas outras anteriores, os governantes, à 2 segundos do fim do mundo, de acordo com o Relógio do Fim dos Tempos, começam a entender que é urgente a pauta e as práticas ambientais. 

O agravamento dos eventos climáticos extremos resultou na maior tragédia sem precedentes no Rio Grande do Sul, mas são as consequências da falta de adaptação, prevenção e combate às mudanças climáticas, sendo o maior desafio atual a aceitação desse cenário.

De acordo com os dados da ONU, um terço da humanidade não está coberta por sistemas de alertas precoces de eventos climáticos extremos e no Brasil, a notícia ainda é pior. 

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O cientista Carlos Afonso Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais - INPE, afirmou que: “O que acontece no Rio Grande do Sul não é uma tragédia natural. É consequência da ação humana, da irresponsabilidade, do descaso com o meio ambiente”.

Segundo 345 cientistas que trabalharam no relatório de Avaliação Nacional (RAN 1) de 2013, do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), o aumento futuro das chuvas, nas próximas décadas, seria da ordem de 35% a 45% maior que o normal para o bioma Pampa.

“Um fenômeno que pode ser responsável por anomalias de precipitação e temperatura sobre o Sul do país é o bloqueio atmosférico (Casarin e Kousky, 1986). Sua ocorrência pode trazer um padrão regional anômalo por longos períodos, tais como tempo estável prolongado próximo da sua fase de formação, com possibilidade de seca ao ocorrer na mesma região ou, até mesmo, de enchentes em áreas para as quais os distúrbios ciclônicos são desviados” (Pág 373, Volume 2 do RAN).

Há evidentes vulnerabilidades territoriais no Rio Grande do Sul, situado em área de choque entre correntes tropicais e polares, o que propicia chuvas intensas. Grande parte da drenagem do interior do Estado segue para o Delta do Jacuí, acrescido dos Rios dos Sinos, Caí, Taquari, Gravataí, Canosas, sobrecarregando o Lago Guaíba, que por sua vez segue para a Lagoa do Patos, que conta apenas com uma única saída pequena para o oceano pelo canal do Rio Grande, consistindo no sistema de vazão onde ventos do sul podem funcionar como barreira natural. Some-se a essa sobrecarga o sucateamento e falta de manutenção do sistema de contenção de inundações de Porto Alegre. 

Essa realidade geográfica, hidráulica, social e anti solidária, assim como os alertas científicos, a falta de políticas públicas e mecanismos de alertas climáticos foram ignorados por sucessivos governos no planejamento territorial, impulsionado por um modelo de agronegócio ambicioso e predador, fatores que contribuíram para fragilizar os processos de mitigação climática.

De acordo com O ECO, “ações negativas do Legislativo gaúcho foram comemoradas e legitimadas pelo próprio governador Eduardo Leite. Em sua primeira gestão, em 2020, foram alterados 480 pontos do Código Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul e principalmente a Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC), oficialmente regulamentada por um Conselho Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul - Consema retrógrado e viciado. Os retrocessos foram objeto de duras críticas de especialistas”.

A coordenadora do Centro de Apoio Operacional de Defesa do Meio Ambiente do Ministério Público do Rio Grande do Sul,  Dra Ana Marchesan, representando a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente  - Abrampa, em 2020 articulou  junto à Procuradoria-Geral da República, o ingresso de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra vários artigos do novo código ambiental gaúcho, incluindo os que autorizavam o uso da LAC no estado. Relatando que “Na LAC, o Estado abdica de exercer previamente o seu poder de polícia, e delega toda a responsabilidade para o empreendedor, que apresenta documentos de uma forma cartorária e unilateral, com as vistorias feitas posteriormente. Isso impacta diretamente dois dos principais princípios de proteção do meio ambiente, a precaução e a prevenção. Além disso, a gente sabe das dificuldades de capacidades operacionais e de fiscalização que às vezes o nosso órgão ambiental pode apresentar, e isso trará um aspecto de irreversibilidade para os danos ocasionados.”

Para continuar a decadência ambiental, em 9 de abril de 2024, o governador gaúcho sancionou lei que sacrifica áreas naturais inundáveis para a construção de barragens em área de preservação ambiental (APP) a pedido de ruralistas e sob milhares de pedidos contra e duras críticas de ambientalistas.    

Para minimizar o atual contexto, o governo gaúcho fez muito pouco além da retórica de criar o Pro Clima 2050, de responsabilidade da Secretaria Estadual do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul, que em sua apresentação afirmou: “É importante destacar que, até março de 2023, o Rio Grande do Sul destacou-se entre os 10 estados que mais efetivamente cumpriram metas relacionadas à questão climática, conforme apontado em um levantamento conduzido pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais de Meio Ambiente (Abema)”. 

Infelizmente, discurso e prática andam em descompasso, pois as políticas de uso e ocupação do solo, que deveriam estar voltadas à prevenção climática, não contaram com aporte científico e participação social, em que pese a existência do CONSEMA e corpo técnico competente concursado nos quadros estatais, que acabam relegados a segundo plano quando as decisões envolvem interesses econômicos especulativos.

Conforme a opinião de Carlos Bocuhy, Presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental - PROAM:  “Há concentração e abuso de poder que desfigura a eficiência do Estado frente à emergência climática. Trata-se da vinculação nociva do Legislativo e Executivo aos interesses especulativos do uso e ocupação dos territórios, que há muito já deveriam estar sendo geridos de forma eficiente para a mitigação climática.”

O estado enfrentou o segundo evento climático em proporções de desastre em 8 meses — só que desta vez mais forte e sem precedentes, apesar de anunciado, debatido e questionado.

De acordo com Leo Sakamoto, do UOL News, em 09/05/2024, “o Brasil se ligou, mas se isso vai gerar mobilização são outros quinhentos. Uma coisa é saber; outra é se mexer. Há muita gente em Brasília que sabe que o clima está mudando e empurra com a barriga.” 

Em declaração por meio de redes sociais, o geólogo Rualdo Menegat do IG-UFRGS, afirmou: “Há um apagão da natureza para mitigar os efeitos de eventos climáticos extremos, posto que a drenagem natural e os ciclos hídricos foram destroçados pelas políticas de uso intensivo do solo. Flexibilizaram leis para aumentar áreas de plantio de soja, desmontaram planos diretores para ampliar a especulação imobiliária em zonas ribeirinhas, para implantar minas de carvão e para favorecer a especulação imobiliária. Sem inteligência social e com a infraestrutura natural destroçada, temos pela frente um longo caminho para adquirirmos condições de enfrentar a emergência climática e ambiental que estamos atravessando”.

Uma notícia que alivia um pouco essa crise ambiental gaúcha é que o  Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU) solicitou em 03/05/2024, uma investigação completa sobre eventuais desvios de recursos emergenciais liberados para a prevenção de tragédias climáticas no Rio Grande do Sul. O subprocurador Lucas Rocha Furtado afirmou que “há fortes indícios de que os investimentos em prevenção de tragédias como a atualmente vivida no RS, ou a recente inundação do Vale do Taquari, não vêm sendo realizados pelo Estado”.

E apesar de todos os desastres climáticos que vêm assolando o Brasil, por estado escolhido a dedo, é notável a inércia do governo federal ao permitir declarações, falta de recursos, minimização de funcionários, exclusão de projetos e programas, do ponto de vista climático. E olha que a COP 30 em Belém do Pará está chegando…

 

Créditos da Imagem: Lucas Wink/Prefeitura

 

Os políticos que pressionam por abrandamentos ambientais no Congresso Nacional deveriam corar diante das consequências das péssimas normas antiambientais que tramitam na casa. O apelo humanitário levará o Congresso a promover liberações de recursos e outras facilidades para a situação emergencial, mas também deveria ensejar mudanças de postura e a correção dos erros históricos nos processos legislativos que desfavorecem a mitigação e a adaptação climática. O ECO

Nenhum estado da federação necessita tanto de urgente adaptação climática como o RS. 

A atual tragédia que ocorre no Rio Grande do Sul traz lições importantíssimas que devem ser aprendidas na marra:

  1. Que a sociedade não está preparada para compreender as sinergias negativas do clima que contribuem para a construção de cenários ainda não imaginados. Por exemplo, a intensidade de chuvas trazidas pela umidade dos rios voadores afunilados pela vedação de zonas tampão de calor, com ventos excessivos e efeitos condensadores de frentes frias e consequentes inundações cuja capacidade de escoamento para o mar pode ser, por sua vez, represada por ventos. A armadilha climática que se instalou sobre o Rio Grande do Sul significa que não há apenas um novo modelo climático sendo ainda desenhado, mas que o estado está em rota com o desconhecido, o que tem sido chamado internacionalmente de incerteza radical, ou absoluta: um desafio para a busca de soluções que demandam lidar com a incapacidade de compreender escopo, escala e sinergias do problema. Diante disso, a proteção de compartimentos ambientais estratégicos e a necessidade da prevenção se vê multiplicada;
  2. Que os sistemas de macrodrenagem, obras de contenção, e demais obras de infraestrutura, construídas dentro das previsões das séries históricas de pluviometria, funcionaram na medida do possível, mas devem ser revistos e atualizados, assim como o dimensionamento das áreas de risco. O Muro da Mauá fica!
  3. que as influências lobísticas sobre decisão em normatização e políticas climáticas devem ser duramente combatidas e erradicadas com adequados elementos de transparência, conhecimento científico e controle social, inclusive com a firme ação do judiciário, sob pena do flagelo da população diante da ineficácia governamental e/ou legislativa para processos de mitigação e adaptação climática;
  4. Que  os governos devem implementar sistemas eficazes de alerta precoce, com preparação das estruturas e operacional para a proteção da população, que deve contar com capacitação, o que inclui o conhecimento dos riscos e forte envolvimento social; a detecção, observação, monitoramento, análise e previsão de riscos; forte estruturação de meios operacionais e de apoio à eventos extremos, além de mecanismos de divulgação e comunicação de alertas de forma clara e objetiva.

Enfim, agora é  o momento ideal para estudar metodologias que se adaptem ao nosso estado, analisar erros e corrigir rumos, para que todo o sentimento de solidariedade e carinho que se faz presente nessa tragédia se transforme em atitude, estrutura e segurança, com ações preventivas eficientes para proteger o meio ambiente e manter a vida e promover a qualidade de vida da população. 

A Coluna Papo Ambiental é um oferecimento de:

REFERENCIAL:

  • O ECO. Disponível em: https://oeco.org.br/colunas/rio-grande-do-sul-governanca-para-prevenir-desastres-climaticos/ Acesso em 08/05/2024.
  • PBMC, 2014: Impactos, vulnerabilidades e adaptação às mudanças climáticas. Contribuição do Grupo de Trabalho 2 do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas ao Primeiro Relatório da Avaliação Nacional sobre Mudanças Climáticas [Assad, E.D., Magalhães, A. R. (eds.)]. COPPE. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 414 pp. ISBN: 978-85-285-0207-7. Disponível em: http://www.pbmc.coppe.ufrj.br/documentos/RAN1_completo_vol2.pdf. Acesso em 09/05/2024. 
  • SUL 21. Disponível em: https://sul21.com.br/noticias/meio-ambiente/2024/05/tragedia-historica-expoe-o-quanto-governo-leite-ignora-alertas-e-atropela-politica-ambiental/?utm_campaign=later-linkinbio-sulvinteum&utm_content=later-42840662&utm_medium=social&utm_source=linkin.bio.  Acesso em 08/05/2024.
  • UOL News. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/05/09/sakamoto-brasil-acordou-sobre-mudancas-climaticas-mas-precisa-se-mexer.htm?cmpid=copiaecola. Acesso em 09/05/2024.
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Aline Stolz

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